Quarta-feira, 23 de Abril de 2008

"declaração de guerra"

Código Trabalho:
Propostas são "declaração de guerra"
a todos os trabalhadores
movimento Precários Inflexíveis

23 de Abril de 2008, 14:10

Lisboa, 23 Abr (Lusa) - O movimento Precários Inflexíveis classificou hoje como "uma declaração de guerra" aos trabalhadores as propostas governamentais de revisão do Código do Trabalho, considerando que se pretende dar aos precários o equivalente a um bilhete de cinema.
"As medidas anunciadas são um paliativo e uma declaração de guerra aos direitos de todos os trabalhadores, dando um rebuçado aos precários", disse à agência Lusa João Pacheco, comentando as propostas do Governo para a revisão do Código do Trabalho apresentadas terça-feira a patrões e sindicatos no Conselho de Concertação Social.
Nesta reunião, entre outra medidas, o Governo propôs que as empresas com trabalhadores independentes paguem uma parcela de cinco por cento da taxa contributiva para a Segurança Social.
Para o representante dos Precários Inflexíveis, movimento de luta contra a precariedade laboral, esta proposta prolongará o uso de "falsos recibos verdes".
Para o responsável dos Precários Inflexíveis, o que foi anunciado e, que em seu entender devia fazer as manchetes dos jornais, é que "os falsos recibos verdes vão ser eternizados e que os trabalhadores vão pagar 95 por cento da taxa contributiva da Segurança Social".
Atendendo a que actualmente a contribuição mínima dos trabalhadores independentes para a Segurança Social é de 150 euros, a comparticipação das empresas seria de 7,5 euros.
Os trabalhadores independentes descontam uma taxa obrigatória de 25,4 por cento sobre uma remuneração convencionada que varia entre 1,5 salário minímo e 12 salários mínimos.
As contribuições para a Segurança Social podem ser ainda mais elevadas, porque, para garantirem uma protecção social completa, os trabalhadores independentes têm que descontar 32 por cento sobre a remuneração convencionada.
"O que se está a prometer aos trabalhadores precários é o equivalente a um bilhete de cinema para conter uma bolha que vai rebentar por algum lado", disse João Pacheco.
"A proposta é o valor de um bilhete de cinema?!? É isso que têm para propor a uma multidão de mais de um milhão de pessoas que trabalham na ilegalidade e imoralidade dos falsos recibos verdes?", questionam os Precários Inflexíveis.
Considerou que, apesar de tudo, é importante que o Governo tenha começado a falar nestas questões, sublinhando que "a conjuntura eleitoral que se avizinha obrigará a tomar medidas corajosas" nesta matéria.
Defendeu que "corajoso" seria começar por aplicar a lei num país onde a "ilegalidade é a norma".
"A única medida aceitável é acabar nas empresas e no próprio Estado com o uso indevido de recibos verdes, ou seja acabar com os chamados 'falsos recibos verdes'. Quando isso acontecer podemos discutir o futuro, mas não peçam a um milhão de pessoas para negociar de joelhos", defende o movimento.
João Pacheco ressalva que as medidas anunciadas não passam de propostas e considerou que a avançarem reduzirão todos os trabalhadores ao mesmo nível dos precários.
Disse esperar que os sindicatos cumpram o seu papel de defesa dos trabalhadores no Conselho de Concertação Social, enquanto à sociedade civil caberá "manifestar-se na rua se for preciso".

CFF
Lusa/Fim

A Voz do Proletário editou às 16:09
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Quinta-feira, 10 de Abril de 2008

LIVRO BRANCO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

APRECIAÇÃO DAS RECOMENDAÇÕES E PROPOSTAS
DO LIVRO BRANCO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO



Este documento prefigura uma alteração do Código do Trabalho, não no sentido de corrigir os aspectos gravosos por estes introduzidos, mas no sentido de os agravar ainda mais. A CGTP-IN não pode, assim, deixar de manifestar a sua profunda discordância com o teor do “Livro Branco” pelas razões que adiante sumariamente se desenvolvem.




I – NA GENERALIDADE

A Comissão do Livro Branco das Relações Laborais – Comissão da responsabilidade política do Governo – apresentou o “Livro Branco das Relações Laborais” com um conjunto de recomendações e propostas visando introduzir alterações ao Código do Trabalho. Este documento prefigura uma alteração do Código do Trabalho, não no sentido de corrigir os aspectos gravosos por estes introduzidos, mas no sentido de os agravar ainda mais.

A CGTP-IN não pode, assim, deixar de manifestar a sua profunda discordância com o teor do “Livro Branco” pelas razões que adiante sumariamente se desenvolvem.

O Livro distribui-se, no essencial, por duas partes. Uma destinada a diagnosticar as relações sócio-laborais no nosso país comparando-se alguns indicadores com outros estados e as médias da União Europeia. Outra em que a Comissão formula um conjunto de propostas de alteração ao Código do Trabalho.

De acordo com o diagnóstico apresentado as relações laborais em Portugal caracterizam-se por um elevado índice de unilateralidade (62,44%) e de individualização (27/6%). Os direitos laborais são desrespeitados (69%). A taxa de destruição de emprego é igualmente muito elevada, sendo que, cerca de 300.000 trabalhadores são atingidos nas suas situações de emprego em cada trimestre revelando uma elevadíssima taxa de destruição de empregos.

Em face deste diagnóstico (insuspeito) dificilmente se compreende que a Comissão apresente propostas para liberalizar os despedimentos, liquidar a contratação colectiva existente e agravar o princípio do tratamento mais favorável, no que à contratação colectiva se refere, transformando o princípio em excepção e a excepção em regra.

A apreciação dos propósitos apresentados permite-nos concluir que a Comissão decidiu prosseguir e acentuar a linha de orientação seguida no Código do Trabalho, distanciando-se das posições assumidas pelo Partido Socialista, quer no momento da aprovação do Código, quer durante a campanha eleitoral e que foram vertidas para o Programa de Governo.

Com efeito, o Livro Branco prossegue o ataque às estruturas do Direito do Trabalho com o objectivo de consagrar um modelo de relações laborais cada vez mais desequilibrado, baseado na unilateralidade e na individualização das relações laborais, assente no reforço desmesurado do poder patronal, no enfraquecimento dos direitos em geral, (singulares e colectivos) e no desrespeito pela dignidade dos trabalhadores.

Na verdade, este “Livro”, em lugar de corrigir a rota traçada pelo actual Código – uma rota liberalizadora, flexibilizadora e desregulamentadora –, vem, afinal, propor mais do mesmo: reduzir ainda mais as garantias dos trabalhadores, reforçar os poderes patronais, acentuar a precariedade no emprego, promover a flexibilidade interna (temporal, salarial, funcional e geográfica), promover a caducidade das convenções colectivas, liberalizar os despedimentos por via da introdução do despedimento por inaptidão, limitar os direitos sindicais e, consequentemente, o exercício da actividade sindical.

Trata-se, uma vez mais, de um documento que não tem em conta que as relações laborais têm uma natureza concomitantemente social, económica, política e cultural, que procura subordinar ao objectivo do lucro a dimensão social do trabalho e do próprio direito do trabalho, ao arrepio das posições publicamente assumidas pelo PS enquanto oposição. Com efeito, todos nos recordamos das posições publicamente assumidas pelo Partido Socialista, no momento em que se pronunciou, sem ambiguidades, sobre o conteúdo do Código do Trabalho então aprovado pela maioria parlamentar de direita.

O conjunto de propostas, reflexões, hipóteses, linhas tendenciais de consenso, recomendações e sugestões apresentadas pela Comissão, estão todas elas conjugadas no sentido de agravar exclusivamente as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores ou, se se preferir, no sentido de beneficiar exclusivamente o patronato deste país, mesmo o mais retrógrado e prevaricador, branqueando e legitimando actuações que, ao longo dos tempos, mesmo no regime fascista, foram consideradas ilícitos laborais.

II – NA ESPECIALIDADE

A – DIREITOS INDIVIDUAIS

1 - Princípio do Tratamento Mais Favorável

O Direito do trabalho, entendido como direito de protecção do trabalhador, traduz-se na prevalência da lei sobre a contratação colectiva, no sentido de impedir retrocessos sociais (garantia de direitos mínimos) e na prevalência da contratação colectiva sobre a lei, no sentido de possibilitar avanços sociais (convenções colectivas de trabalho como instrumentos de progresso).

Assim, a caracterização da lei laboral como um mínimo de protecção e o estabelecimento do correcto relacionamento entre a lei, a convenção colectiva e o contrato individual de trabalho, constituem questões fundamentais em matéria de regulação das condições de trabalho.

O princípio do tratamento mais favorável encontra-se subvertido pelo artigo 4.º do Código do Trabalho, o qual não define a lei como um limite mínimo abaixo do qual as normas convencionais não têm eficácia, na medida em que permite que a convenção possa modificar a lei para melhor ou para pior.

A frontal oposição do Partido Socialista à forma como este princípio foi definido aquando da aprovação do Código do Trabalho, com a apresentação de uma proposta que mereceu a concordância da CGTP-IN, levaria a pressupor que o Governo procederia à correcta reposição do princípio do tratamento mais favorável.

Uma apreciação precipitada e desatenta pode levar-nos a pensar que a Comissão propõe alguma melhoria do princípio do tratamento mais favorável, o que, na verdade, não acontece.

A nova redacção proposta pela Comissão não altera a subversão do princípio do tratamento mais favorável iniciada em 2003, com o Código do Trabalho e os acrescentos introduzidos, não melhoram rigorosamente em nada a definição do actual artigo 4.º.

Na verdade, a questão de fundo não é a da possibilidade de uma convenção colectiva estabelecer soluções menos favoráveis do que as previstas na lei; a questão de fundo é, antes, a de saber qual, nesta matéria, haverá de ser a regra ou o princípio: a regra de que a convenção colectiva pode ou a regra de que a convenção colectiva não pode estabelecer condições menos favoráveis aos trabalhadores do que as previstas na lei?

Isto é, o que deve ser consagrado é a regra segundo a qual as normas da lei fixam condições mínimas de trabalho, insusceptíveis, por isso, salvo nos casos expressamente contemplados, de ser alteradas em sentido menos favorável ou a regra segundo a qual as normas da lei não fixam condições mínimas, podendo, consequentemente, salvo nos casos em que digam o contrário, ser alteradas por convenção colectiva em sentido (mais ou) menos favorável?

A CGTP-IN não vislumbra qualquer argumento novo que recomende a reconsideração da sua posição, fundamentalmente porque toda a mudança que vise a alteração substancial dos quadros em que se desenvolveu e se move o direito do trabalho, não corresponderá a qualquer progresso, como se pretende, mas a um retrocesso, aliás, em manifesta desconformidade com a Constituição da República Portuguesa.

2 - Relação Individual de Trabalho

a) Noção de contrato de trabalho

A actual presunção legal de contrato de trabalho, consagrada pela lei 9/2006, de 20 de Março, superou grande parte das objecções levantadas ao disposto na redacção inicial do artigo 12.º do Código do Trabalho, que fazia depender a presunção da existência de contrato de trabalho da verificação cumulativa de um vasto conjunto de situações, que retiravam toda e qualquer operacionalidade à referida presunção.

Na redacção proposta pela Comissão introduz-se, uma vez mais, uma série de situações conducentes à verificação da presunção, mas desta vez sem observância cumulativa.

Não nos parece que a redacção proposta introduza melhorias ao disposto no artigo 12.º, na redacção dada pela lei 9/2006, na medida em que as situações enumeradas ficam aquém das situações habitualmente descritas na rica jurisprudência existente sobre a matéria, e que se mostram muito mais variadas e abrangentes do que as descritas nas novas alíneas propostas.

A própria lei fiscal (IRS), no regime de retenção na fonte dos trabalhadores independentes (sem contrato de trabalho), manda aplicar o regime dos trabalhadores com rendimentos de trabalho subordinado aos trabalhadores com recibo verde, que se encontrem na dependência económica do empregador.

b) Contratos a termo

As propostas apresentadas pela Comissão para o regime dos contratos a termo não pecam pela clareza nem constituem um contributo para combater a precariedade que afecta as relações laborais no nosso país. Ao contrário, representam a perda de uma oportunidade para clarificar a sua relação com a contratação colectiva atribuindo-lhe natureza imperativa, mediante a revogação do artigo 128.º actual. Justificado seria, também, a revogação do disposto na al. b) do n.º 3 do artigo 129.º, na medida em que se trata de uma norma discriminatória que atinge em especial os jovens trabalhadores.

A proposta apresentada para o n.º 2 do artigo 128.º é, também ela, de efeitos muito duvidosos porquanto permitirá, por exemplo, que as convenções colectivas continuem a afastar a obrigatoriedade da redução a escrito dos contratos a termo, bem como as demais formalidades previstas no artigo 131.º?

c) Regime legal do tempo de trabalho

A CGTP-IN sempre defendeu que a lei deverá conter apenas os princípios gerais, sob a forma de imperativos mínimos, cabendo a respectiva concretização à contratação colectiva, na medida em que pressupõe a adequação daquelas normas às realidades concretas das empresas e dos trabalhadores.

A Comissão anuncia também o mesmo o propósito, ao recomendar que a lei não deve “aspirar a uma regulamentação exaustiva do tempo de Trabalho”, devendo limitar-se a “acatar as directivas comunitárias aplicáveis e ao enunciado de alguns princípios gerais, completados por um conjunto de regras supletivas”.

Todavia, os propósitos anunciados não só não encontram expressão nas alterações propostas, como a imperatividade absoluta da lei aumentaria relativamente a vários aspectos da organização do tempo de trabalho e o índice de regulamentação, sobretudo no âmbito da adaptabilidade, também seria maior.

d) Definição dos períodos normais de trabalho diário e semanal

A Comissão propõe a eliminação da fixação dos limites dos períodos normais de trabalho diário e semanal, fixando apenas os períodos médios de trabalho, o que não deixa de suscitar dúvidas quanto à sua conformidade constitucional.

Com efeito, nos termos do disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, alínea b) da CRP, todos os trabalhadores têm direito a um limite máximo da jornada de trabalho, incumbindo ao Estado a fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho.

Acresce que a omissão da definição dos limites dos períodos normais de trabalho diário e semanal se revelaria totalmente bizarra, na medida em que, da definição destes limites, depende a concretização de outros conceitos e definições existentes no Código do Trabalho, que deixariam de ter qualquer significado.

A título de exemplo, refiram-se:

- O número de horas de que o período normal de trabalho diário pode ser aumentado nos regimes de adaptabilidade (n.º 1 do artigo 164.º e n.º 3 do artigo 165.º);

- Noção de trabalho a tempo parcial (artigo 180.º);

- Noção de trabalho suplementar (artigo 197.º);

- Algumas modalidades de isenção de horário de trabalho (artigo 178.º, n.º 1, alínea a)).

e) Manutenção do artigo 10.º da Lei Preambular ao Código do Trabalho

A manutenção desta disposição, nos termos da qual, volvidos quatro anos, a aplicação da alínea a) do artigo 156.º do Código do Trabalho, que transpõe uma norma imperativa da directiva europeia sobre organização do tempo de trabalho continua dependente da renegociação das pausas laborais constantes de IRCTS e que integram o conceito do tempo de trabalho, revela-se de todo inadmissível e intolerável.

f) Modificações no artigo 165.º - Regime da adaptabilidade

A Comissão propõe e reforço do mecanismo da adaptabilidade do tempo de trabalho através da proposta de uma nova figura – a chamada “adaptabilidade grupal” – para operar ao lado das actuais modalidades de adaptabilidade previstas no artigo 164.º e 165.º do Código do Trabalho (definida em IRCT ou por acordo entre empregador e trabalhador), com exigência de acatamento da adaptabilidade por parte dos trabalhadores, não aderentes, ainda que aprovada por maioria qualificada.

A introdução deste regime de adaptabilidade não negociada, e portanto imposta aos trabalhadores que a não aceitem, seria susceptível de introduzir constrangimentos inultrapassáveis na sua vida pessoal e familiar que são absolutamente de repudiar.

g) Supressão do artigo 168.º (redução dos limites máximos dos períodos normais de trabalho)

Invocando uma pretensa redundância daquela disposição legal, a Comissão propõe a supressão “por desnecessário” do artigo 168.º do Código do Trabalho, norma que, nomeadamente no seu n.º 2, impede que da redução dos limites máximos dos períodos normais de trabalho resulte a diminuição da retribuição dos trabalhadores.

Ora, o artigo 168.º não só permite que as convenções colectivas de trabalho reduzam os períodos normais de trabalho, como impede que, nessas situações, as retribuições dos trabalhadores sejam reduzidas.

Da supressão desta norma, em conjunto com a eliminação da percentagem do limite de 75% na noção de trabalho a tempo parcial, resultaria um abaixamento da retribuição dos trabalhadores sempre que se verificasse uma redução dos período normais de trabalho, por mais diminuta que ela fosse.

h) Trabalho a tempo parcial

A supressão, na noção de trabalho a tempo parcial, da percentagem dos 75% do trabalho praticado a tempo completo, levaria a que pudesse ocorrer trabalho a tempo parcial com horários de quase 40 horas, situação que seria inaceitável.

i) Trabalho suplementar

Em sede de trabalho suplementar, as propostas da Comissão mostram-se particularmente criticáveis, quer porque recomendam o alargamento dos limites desse trabalho (hoje fixados, já em moldes bastante alargados, no artigo 200.º do Código do Trabalho), quer porque apontam para a eliminação da remuneração reforçada, a qual seria substituída por um “regime de descanso integralmente compensador do trabalho suplementar realizado”, com efeitos na redução do rendimento dos trabalhadores.

j) Os “Bancos de Horas”

A Comissão preconiza a possibilidade de a lei passar a contemplar aquilo a que chama os “banco de horas”.

Estes “bancos de horas”, seriam uma espécie de “conta corrente” em que seriam contabilizados certos tempos de disponibilização do trabalhador (por exemplo: tempos de deslocação, trabalho suplementar ou outros, para além do horário normal de trabalho), os quais seriam compensáveis com tempo de descanso (a ser gozado como e quando o patrão o entender), em substituição, parcial ou integral, da sua retribuição.

A CGTP-IN repudia veementemente a introdução desta figura, porquanto é criada no exclusivo interesse do patronato, tendo como único objectivo, o embaratecimento do trabalho, com a consequente redução da retribuição dos trabalhadores.

k) Mobilidade funcional e geográfica

O que se esperaria da parte da Comissão é que viesse propor que esta matéria tivesse natureza imperativa (mínima), remetendo a sua regulamentação para a contratação colectiva.

Acresce que o entendimento jurisprudencial, no sentido de que as restrições à prestação de trabalho, tais como as constantes dos artigos 314.º, 315.º e 316.º, só serão válidas se acordadas pelo trabalhador no momento da sua aplicação, sendo inválidas se constarem de acordos com carácter abstracto e virtual, sobre futuras e hipotéticas modificações no objecto do contrato e do local de trabalho, é expressamente afastado no Livro Branco. Tal posição decorre do reconhecimento da posição de especial fragilidade do trabalhador no momento da admissão.

Ora, ao propor que estes acordos, quase sempre obtidos no momento da admissão do trabalhador (momento em que se verifica uma maior fragilidade deste), caduquem ao fim de cinco anos, no caso de não serem activados pelo empregador, a Comissão não só os valida durante os cinco anos iniciais, como incentiva o seu accionamento pelo empregador a fim de evitar a sua caducidade.

Em síntese, não resta nenhuma dúvida que o essencial das alterações sugeridas visa reforçar os poderes patronais de gestão da força de trabalho, com a inerente deterioração e profunda fragilização da posição do trabalhador neste domínio.

3 - A Liberalização dos Despedimentos

a) Despedimentos por facto imputável ao trabalhador

A Comissão entende que os actuais modelos processuais de despedimento se têm revelado excessivamente pesados para o empregador, pelo que propõe uma “simplificação profunda” nesta matéria, designadamente em sede de procedimento disciplinar, com muitas das formalidades hoje impostas ao empregador a deixarem de ser obrigatórias, cabendo a este decidir se as pretende promover ou não.

Para além disso, a Comissão propõe que se proceda à “reconfiguração dos efeitos do despedimento ilícito, distinguindo os vícios procedimentais dos materiais em que os primeiros não conduzem à invalidade do despedimento.”

Isto é, a Comissão não só propõe a supressão ou liberalização de formalidades, como preconiza que os vícios procedimentais tenham como consequência a irregularidade do despedimento ilícito e não já a invalidade deste. Esta medida levaria a que, nestes casos, o trabalhador deixasse de ter direito à reintegração, passando a ter direito apenas a uma indemnização correspondente a metade do valor.

O aligeiramento das exigências procedimentais e a descaracterização da sanção por violação destas exigências significam uma imensa diminuição da dimensão procedimental existente, a qual tem como consequência a diminuição da garantia constitucional da segurança no emprego.

A redução do prazo para a impugnação do despedimento apresenta-se igualmente como demasiado curto. Tal redução apresenta-se como inadequada à realidade social e laboral Portuguesa e, como tal, não deve ser adoptada.

Ainda que dentro dos condicionalismos do artigo 438.º do Código do Trabalho, quando o despedimento for considerado inválido por existência de vícios materiais, a Comissão propõe ainda que a reintegração do trabalhador deixe de ser referenciada ao posto de trabalho e à empresa, para passar a referenciar a “categoria” e a “antiguidade” do trabalhador, como forma de o pressionar a optar pelo recebimento de indemnização.

Tratando-se aparentemente de regras de “simplificação procedimental” do regime de cessação do contrato de trabalho, estas não são menos do que verdadeiras regras que visam facilitar os despedimentos e tornar irreversíveis as decisões patronais, no sentido do afastamento do trabalhador da empresa.

Ao aligeiramento e à simplicidade do despedimento, a Comissão junta ainda “o embaratecimento” do mesmo, através da transferência total ou parcial para o Estado dos custos resultantes da obrigação do pagamento das retribuições vencidas no decurso da acção de impugnação, pelo menos nas situações em que se verifique uma excessiva demora na conclusão da acção judicial.

Trata-se de uma medida promocional do despedimento, que a CGTP-IN repudia, porquanto remove qualquer inibição que pudesse resultar para o empregador, de um eventual receio de perda da acção judicial e da consequente obrigação de proceder ao pagamento das respectivas retribuições intercalares.

b) Despedimentos por Inadaptação

A Comissão preconiza o alargamento do conceito de despedimento por inadaptação, acolhendo também as “situações de alteração na estrutura funcional do posto de trabalho”, mesmo que tal não decorra de modificações tecnológicas ou dos equipamentos.

Ou seja, o que a Comissão propõe, não é senão o alargamento da figura do despedimento por inadaptação, de forma a incluir a figura do despedimento por inaptidão “falta de capacidade profissional”. Isto é, de um despedimento por inadaptação, baseado em causas objectivas e radicado na prévia introdução de modificações no posto de trabalho (resultantes de modificações tecnológicas ao nível dos equipamentos utilizados), a Comissão sugere que se transite para um despedimento por inaptidão (por falta de capacidade, incompetência ou desempenho insuficiente do trabalhador), baseado em causas subjectivas, quiçá de natureza ilícita, e desligado da referida introdução de modificações no posto de trabalho.

Trata-se, portanto, de reconfigurar e de alargar as causas legitimadoras do despedimento patronal, em termos manifestamente inconstitucionais, tendo em conta a expressa proibição dos despedimentos sem justa constante do artigo 53.º da CRP. Com efeito, a alegada inaptidão, a invocada incompetência, o eventual desempenho insuficiente ou insatisfatório do trabalhador, tudo isto poderá redundar, na prática, numa virtual insindicabilidade dos motivos aduzidos pelo empregador, em nome do sempre reclamado respeito judicial pelos critérios de gestão empresarial.

Do que aqui se cuida, repete-se, não é de retocar a figura do despedimento por inadaptação. Visa-se muito mais do que isso, visa-se criar novos motivos legitimadores do despedimento, para mais, como se disse, motivos, na prática, dificilmente escrutináveis pelos tribunais. Motivos, aliás, incompatíveis com o nosso ordenamento jurídico-constitucional. Também neste plano, o Livro Branco merece um juízo negativo por parte da CGTP-IN.

B – DIREITOS COLECTIVOS

O Livro Branco prossegue no ataque já iniciado pelo Código do Trabalho aos direitos colectivos dos trabalhadores e às suas estruturas representativas.

Nas propostas sugeridas, seja no âmbito da eliminação dos representantes para a Higiene e Segurança no Trabalho, seja na compressão do número de horas anuais para reuniões dos trabalhadores na empresa ou no aceleramento da aniquilação das convenções colectivas de trabalho ainda existentes, o carácter parcial e unilateral da Comissão encontra-se sempre presente, conduzindo invariavelmente à destruição ou à restrição dos direitos dos trabalhadores ou dos seus representantes, apesar de estes constituírem direitos fundamentais, com consagração constitucional e que, consequentemente, devem ser garantidos e não podem ser restringidas pela lei ordinária.

A enorme ânsia de destruição da Comissão leva-a a apresentar propostas e mais propostas, todas no mesmo sentido e, muitas delas, construídas sobre pressupostos errados.

É o caso, por exemplo, das alterações apresentadas no âmbito das reuniões de trabalhadores no local de trabalho e durante o horário de trabalho, as quais, a Comissão “pretende fazer crer” que são atribuídas apenas a trabalhadores sindicalizados. A Comissão ignora, ou pretendeu ignorar, que o direito de reunião previsto no artigo 497.º, visa promover e garantir o direito de exercício de actividade sindical na empresa, consagrado na alínea d) do artigo 55.º da CRP e, como tal, reconhecido a todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, podendo, inclusive, ser utilizado para promoção da sindicalização de trabalhadores sem filiação sindical por parte das associações sindicais.

A proposta de redução do direito de reunião para 10 horas anuais e a restrição da atribuição da competência convocatória apenas às comissões intersindicais ou a um número mínimo de trabalhadores, não só representaria um retrocesso na evolução que este direito colectivo tem tido ao longo dos anos no sentido da sua conformação com o texto constitucional, como restringiria de forma inadmissível o direito de reunião na empresa.

No domínio da contratação colectiva, então, é evidente o esforço inovador da Comissão. Lamentavelmente, tal esforço “inovador” não se destina à promoção da contratação, mas à sua extinção pura e simples.

O Código do Trabalho veio prever a caducidade das convenções colectivas para o termo de um período de sobrevigência das mesmas, pondo nas mãos da parte que não quer negociar a possibilidade de unilateralmente eliminar a convenção em vigor e que resultara da vontade de ambas as partes. Desta forma desobriga o Estado de garantir o direito de contratação colectiva e de actuar no domínio dos sujeitos colectivos, mesmo quando estes assumam atitudes ilegais.

Por sua vez, a Comissão, com a propositura de um único prazo de sobrevigência, em substituição dos existentes e das respectivas e sucessivas renovações (artigo 557.º), de que resultaria o encurtamento do período de sobrevigência actual, visa acelerar o processo de caducidade e das convenções existentes.

Para além da redução referida, a Comissão propõe-se ainda fazer caducar todas as convenções colectivas que, pelo facto de conterem uma cláusula de sobrevigência própria, têm ficado a salvo da caducidade que ocorre por via do termo da sobrevigência legal supletiva.

Para isso, o prazo máximo de 10 anos proposto para a vigência das referidas cláusulas, contado a partir da entrada em vigor do primeiro texto das convenções que a contenham, implicaria a caducidade automática e imediata das convenções referidas no momento da entrada em vigor das alterações ao Código do Trabalho.

O resultado assim obtido seria o mesmo que resultaria da revogação pelo Código das referidas convenções.

Caso esta proposta viesse a ser aprovada, o legislador que já antes não garantiu a igualdade substancial das partes na relação de trabalho, evoluiria para a posição de um despudorado defensor da parte patronal, invertendo completamente o tradicional conceito do direito do trabalho.

Refira-se ainda a proposta efectuada pela Comissão no que se refere aos critérios de aferição da maior representatividade, em que o número de trabalhadores sindicalizados seria conjugado com a “influência sindical das associações sindicais sobre as representações e as atitudes do conjunto dos trabalhadores”, numa combinação de factos objectivos e subjectivos obscuros, que visaria apenas discriminar os sindicatos não representativos do país.

O menos que se pode dizer é que, nesta matéria, a Comissão assumiu-se claramente como parte.

III – CONCLUSÃO

A análise das várias propostas e sugestões contidas no Livro Branco das Relações Laborais leva-nos a concluir que a Comissão não cumpriu os objectivos para que foi criada ou, pelo menos, os objectivos confessados que constam da Resolução do Conselho de Ministros que procedeu à sua criação.

Na verdade, se as sugestões da Comissão se viessem a concretizar, a legislação laboral portuguesa ficaria ainda mais desequilibrada e distante dos ordenamentos laborais dos países comunitários. E os objectivos de que “Portugal disponha de uma lei laboral que compatibilize, actualizada e adequadamente, os direitos e os deveres no mundo do trabalho com os imperativos da cidadania plena dos trabalhadores e com as exigências da competitividade empresarial” seriam uma pura miragem.

Por sua vez, a definição das relações entre a lei, as convenções colectivas de trabalho e os contratos individuais de trabalho, tão mal tratada no Código do Trabalho, continuaria a não ser resposta, através da correcta definição do princípio do tratamento mais favorável, elaborado a partir de um conceito do direito do trabalho como um direito de protecção dos trabalhadores.

As alterações com vista à promoção da flexibilidade interna das empresas e a melhoria das possibilidades da conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar dos trabalhadores atendem exclusivamente à primeira das premissas referidas, num confrangedor alheamento quanto à vida pessoal e familiar de quem trabalha.

A apregoada necessidade de superação dos bloqueios à contratação colectiva traduziu-se na apresentação de propostas, todas elas conducentes à simplificação e agilização dos processos de caducidade das convenções existentes e à promoção de novas convenções, que consubstanciem já os agravamentos aos conteúdos normativos.

Esta é pois, e em conclusão, a apreciação da CGTP-IN ao Livro Branco apresentado e que merece, da parte desta o mais veemente repúdio.

A CGTP-IN espera que a avaliação global dos resultados apresentados pela Comissão sejam devidamente analisados pelo Governo de forma a honrar os compromissos do Partido Socialista, aquando a aprovação do Código do Trabalho, bem como o programa eleitoral com que se apresentou a sufrágio e que lhe deu a maioria.

Lisboa, 4 de Fevereiro de 2008
CGTP-IN
 

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