José Ernesto Cartaxo As questões relacionadas com o emprego (o rápido aumento do desemprego, as reestruturações e deslocalizações de empresas, as qualificações, a precariedade laboral) representam hoje o problema económico e social mais importante do país. Elas estão umbilicalmente dependentes do sistema produtivo; têm consequências dramáticas para os trabalhadores e para as suas famílias, particularmente em termos de perdas de emprego; estão directamente associadas ao financiamento dos sistemas sociais, sobretudo da segurança social; são cruciais numa perspectiva de construção de alternativas, consubstanciadas numa política de desenvolvimento de que o país tanto precisa. Por isso, importa apurar as causas e os responsáveis pela presente situação e traçar o quadro e discutir as principais linhas de intervenção dos trabalhadores.
O rápido crescimento do desemprego é a principal manifestação da degradação da situação no mercado de trabalho. A taxa de desemprego está em 7,7%, uma das mais elevadas dos últimos anos e não se vislumbram sinais de que possa diminuir a curto prazo. Pelo contrário, as previsões – do Governo, da Comissão Europeia e de organizações internacionais – coincidem quanto ao seu aumento no próximo ano. Alguns grupos de trabalhadores são mais afectados. A taxa de desemprego dos jovens é mais do dobro da geral (atingiu 15,3% em 2004 face a uma taxa média de 6,7%) sendo de 20,5% nos jovens desempregados com ensino superior. Por outro lado, a parte dos desempregados que está há mais de um ano sem emprego (o desemprego de longa duração) representa quase metade do total. Trata-se de trabalhadores cuja possibilidade de reinserção no mercado de emprego (devido à idade, às baixas qualificações, às fracas habilitações, etc.) é mais difícil. Estão nesta circunstância desempregados em situação de transição para a reforma antecipada. O desemprego só não atinge hoje valores bem mais dramáticos porque a economia informal e clandestina, a agricultura de subsistência em algumas zonas e a segurança social servem de almofadas sociais, mas geram outros desequilíbrios como baixas produtividades e dificuldades financeiras na Segurança Social. Este panorama não traduz apenas uma difícil conjuntura económica. É acima de tudo a expressão de problemas graves na nossa economia, resultantes das políticas de direita prosseguidas pelos sucessivos governos, quer do PS quer do PSD e CDS/PP. De 2001 a 2007 prevê-se que a economia venha a crescer numa média de 0,7%, face a 1,7% na chamada Europa dos 15. Isto é, o país está a distanciar-se da média europeia ao ritmo de 1% ao ano, apesar do nosso menor desenvolvimento económico. Se olharmos para os diferentes sectores vemos que, nos dois últimos anos, só os serviços criam empregos. É particularmente importante e grave a perda de empregos na indústria transformadora nos últimos anos, na medida em que ela está, em parte, associada a um enfraquecimento do nosso tecido produtivo e a perdas de competitividade. De facto, a evolução verificada nos últimos anos mostra perdas de quotas de mercados nas exportações prevendo-se serem elevadas em 2005 e o produto industrial tem uma variação marginal entre 1999 e 2004. Nas restantes áreas há alguns aspectos principais a ter em conta. Por um lado, o governo de Sócrates pretende reduzir o emprego na Administração Pública de 75 mil trabalhadores no prazo da legislatura. Por outro, verifica-se uma alteração significativa na composição do emprego no comércio a retalho com a abertura de novas grandes superfícies.
As reestruturações de empresas têm-se intensificado, o que quase sempre tem conduzido à supressão de postos de trabalho. Há cada vez mais processos de fusões e aquisições de empresas, de reestruturações e de deslocalizações. Este movimento é impulsionado pela procura do máximo lucro a qualquer preço, pelo reforço da integração económica, pelo alargamento da U.E. e, em geral, pelo movimento de concentração e centralização de capitais. As deslocalizações de empresas, totais ou parciais, estão hoje na ordem do dia, apesar dos baixos salários praticados. Basta recordarmos casos como os da Renault nos anos 90, mais tarde os da Coats & Clarks, da Delphi e da Melka e mais recentemente os processos em curso da Yazaki Saltano e da Lear. Mas a deslocalização não é só a transferência de empresas para outros países, como os da Europa Central e Oriental, sob o fundamento de terem custos mais baixos e um mercado de trabalho mais desregulado. A ameaça de deslocalização pode e, nalguns casos, já está a funcionar como chantagem para fazer aceitar pelos trabalhadores concessões que de outro modo não fariam, como no caso da Autoeuropa. A intervenção é, pois, sempre difícil mas não impossível. Os trabalhadores e os próprios países sentem-se desarmados face ao poder das empresas e à submissão a estas dos governos respectivos.
O emprego é hoje mais instável e mais precário. Os trabalhadores sentem a instabilidade nos seus quotidianos devido à má situação económica, ao anúncio de encerramentos de empresas, de reestruturações, de deslocalizações. Este quadro provoca um sentimento de instabilidade, mesmo se têm contratos de duração indeterminada, que se traduz no medo de perda de empregos, com consequências na organização e na luta reivindicativa dos trabalhadores por melhores salários e condições de trabalho. Ao que acresce o facto do país se continuar a caracterizar por ter empregos de má qualidade, sendo de referir três vertentes principais. Primeiro, um elevado nível de economia subterrânea (que estudos efectuados avaliam em mais de 20% do produto) a que se associa um alto volume de trabalho ilegal e clandestino. Segundo, uma elevada precarização do emprego. Os contratos não permanentes representavam cerca de 20% dos assalariados. Porém, nas novas contratações esta taxa atinge 60%, o que significa que a maioria dos jovens vive em situação de precariedade nos seus primeiros anos de trabalho. Terceiro, o maior recurso pelas empresas a práticas de subcontratação, com a finalidade de redução de custos com o trabalho. Esta situação potencia o aumento das discriminações de largas camadas de trabalhadores na sociedade e no meio laboral. Basta pensar nas implicações da precariedade de emprego e do trabalho não declarado em termos das condições de vida, da dificuldade de acesso à segurança social, da obtenção de crédito, das discriminações no acesso à formação.
A qualidade dos empregos é hoje uma dimensão fundamental do emprego, dada a difícil situação económica e as perdas de competitividade. Abrange factores como a qualificação, a natureza intrínseca dos postos de trabalho, os direitos dos trabalhadores, o tempo de trabalho, a saúde e a segurança no trabalho, os vínculos contratuais, a participação dos trabalhadores, etc. O aumento da qualificação é fundamental não só para o trabalhador, porque representa um elemento importante para a sua realização pessoal e profissional e para a sua segurança no emprego, mas também para o desenvolvimento do país. Porém, o perfil produtivo do país, com uma especialização acentuada em sectores de baixos salários, aliado à insuficiente modernização da economia e ao baixo nível de habilitações da mão-de-obra e dos próprios empresários, tem constituído um dos mais importantes factores de bloqueio à elevação das qualificações. Esta necessidade é hoje pacífica. Vários governos têm delineado políticas e medidas com este objectivo. Mas na prática há uma grande diferença entre o que se diz e o que se faz e há dificuldades e resistências à concretização de uma política de reforço da qualificação. Ilustra-o o que tem ocorrido com a formação contínua dos trabalhadores nos seus locais de trabalho. Um passo importante foi dado em 2001 com um acordo tripartido no âmbito da concertação social que fixou medidas com vista à concretização do direito à formação, com o direito de cada trabalhador a um mínimo anual de 35 horas de formação certificada em 2006; a elaboração de planos de formação nas empresas; a garantia de que todos os jovens até aos 18 anos de idade, estejam ou não em situação de trabalho, possam frequentar cursos que permitam a obtenção de níveis crescentes de escolaridade ou de qualificação profissional, devidamente certificados. Porém, tais obrigações, que têm hoje força legal, estão longe de serem cumpridas (em 2003, apenas 19% das empresas com 10 e mais trabalhadores realizaram acções de formação, não sendo de esperar que nas de pequena ou muito pequena dimensão a situação seja melhor) e as confederações patronais, continuando a considerar o investimento na formação um custo e não um benefício, procuram artifícios para se eximirem à sua concretização.
A política de emprego do governo PS/Sócrates continua a estar subordinada às opções erradas da política económica. Apesar de toda a retórica em torno do Plano Nacional de Emprego 2005-2008, este documento assume como certas as previsões de agravamento da taxa de desemprego nos próximos anos, limitando-se a enunciar medidas de prevenção e atenuação do desemprego (suportadas em medidas activas de emprego) e não prevendo instrumentos para a criação de emprego. O fundamental são políticas económicas que criem empregos e não medidas paliativas que apenas visam suavizar as consequências sociais do desemprego. O Plano Nacional de Emprego afirma pretender reduzir a segmentação do mercado de trabalho, o que à partida poderia ser considerado positivo. Porém, não prevê a alteração de normas gravosas do Código de Trabalho, de que é exemplo aquela que permite que um contratado a prazo possa estar nessa situação durante seis anos.
A intervenção dos trabalhadores e das suas organizações exerce-se num contexto complexo marcado pela crescente globalização económica de matriz neoliberal e por uma inserção cada vez mais difícil da economia portuguesa neste quadro. Num tal contexto importa analisar as linhas prioritárias de intervenção na presente situação. A primeira e a mais importante é a defesa do emprego, a acção colectiva contra o encerramento de empresas, as deslocalizações, os despedimentos colectivos, as reestruturações liquidadoras de postos de trabalho. O que exige um intenso e permanente trabalho de organização e de esclarecimento e mobilização dos trabalhadores. Os trabalhadores têm desenvolvido importantes lutas que trazem para a praça pública as questões do emprego, a necessidade de uma política de desenvolvimento e que se têm traduzido em resultados concretos no plano da salvaguarda de postos de trabalho. A defesa do emprego passa também pelo reforço da intervenção dos trabalhadores e das suas organizações de classe nas reestruturações de empresas. Estas reestruturações podem ter natureza diferente. Podem ser, nalguns casos, imprescindíveis à sobrevivência de unidades produtivas e, nesta medida, necessárias para manter os postos de trabalho. Mas em muitos casos trata-se somente de aumentar a taxa de lucro das empresas ou estão associadas a estratégias de deslocalizações. Em qualquer dos casos, as reestruturações têm, de um modo geral, consequências sociais negativas, destacando-se a supressão de empregos. A luta pelo emprego tem de ser articulada com a exigência de uma política de desenvolvimento a qual passa por dar prioridade ao sector produtivo, ao emprego de qualidade e aos salários. É preciso dar prioridade ao sector produtivo para impedir que o país soçobre economicamente, criando-se condições para um crescimento sustentado, o qual tem de passar pela elevação da produtividade. Quanto à qualidade dos empregos há três domínios particularmente importantes. O primeiro é o de reforçar a intervenção com vista a erradicar o trabalho ilegal ou não declarado, incluindo o trabalho infantil, penalizando as empresas infractoras, mas sem prejudicar os trabalhadores envolvidos. O segundo respeita à precariedade laboral. As prioridades principais são a alteração o Código de Trabalho, o reforço dos instrumentos de fiscalização e o desenvolvimento da negociação colectiva com vista à passagem de empregos não permanentes e de falsos recibos verdes a empregos permanentes, de acordo com o princípio de que a «empregos permanentes devem corresponder contratos de trabalho permanentes». O terceiro é o da exigência do cumprimento pelas empresas das normas relativa à formação contínua, como instrumento fundamental para elevar as qualificações. Estas linhas de intervenção prioritárias são indissociáveis da luta mais geral, que é necessário e urgente prosseguir e intensificar, para romper com as políticas de direita prosseguidas pelos sucessivos governos, e agora pelo governo do PS/Sócrates, e que estão na origem dos graves problemas económicos e sociais que o país enfrenta e são responsáveis pelo acentuar das desigualdades e injustiças sociais. «O Militante» - N.º 280 Janeiro /Fevereiro 2006 extraído do jornal: O Militante |
Maior manifestação de educadores e professores Greve "Categoria há só uma: professor e mais nenhuma!" - esta foi uma das palavras de ordem que marcou o ritmo da Marcha Nacional de educadores e professores realizada na tarde do dia 5 de Outubro, entre o Marquês de Pombal e o Rossio, em Lisboa. extraído do site: FENPROF |