As contas que o Governo não presta
A manchete de ontem do Jornal de Negócios deu que falar. É natural: uma redução de 23% na reforma dos que hoje têm cerca de 35 a 40 anos não é coisa pouca. O Governo desmentiu. O Jornal de Negócios mantém.E como a coisa se passa no campo da matemática é sempre mais fácil berrar do que explicar para conseguir convencer. O Jornal de Negócios prefere explicar. É o que faz de novo, hoje ainda com mais detalhe, para que o leitor tenha a informação que necessita para decidir. É, também, aquilo que o Governo não faz: não dá todos os dados aos jornalistas, aos deputados, aos parceiros sociais – aos portugueses. É uma opção. Mas não é a melhor opção. E dizer que é impossível prever dados para as próximas décadas é atenuante mas não é desculpa. A reforma da Segurança Social ainda nem iniciou o processo legislativo mas o Governo já dá o figurino como quase definitivo. Por isso, é nesta altura já uma obrigação (política e moral) prestar toda a informação para que qualquer português possa perceber o que lhe vai suceder. Há uma razão para que o Jornal de Negócios simule o que acontece a quem se reforme em 2030 e não o faça para quem se reforme em 2033 ou em 2027: é que a parca informação que foi revelada só permite fazer o cálculo para 2030... O secretário de Estado da Segurança Social, Pedro Marques, apressou-se a ir à RTP dizer que o Jornal de Negócios estava errado. E preferiu afirmar que as pensões de quem se reformar em 2030 vão é aumentar 35%. Com a verdade me enganas. Estes 35% são a comparação entre o que um pensionista médio recebe hoje e o que vai receber no futuro. Mas com mais anos de contribuições e outras expectativas salariais. A comparação que o Jornal de Negócios entende como pertinente é também outra: é entre o que um pensionista receberá em 2030, perante as novas regras, e o que receberia se as regras se mantivessem como estão agora (e portanto sem compensar com mais anos de trabalho): menos 23%. A diferença entre os +35% e os -23% não é matemática. É de pressupostos. É de seriedade. Se é verdade que as pensões aumentam 35% com as novas regras, elas aumentariam quase o dobro se nada mudasse. O Governo fez uma proposta para reformar a Segurança Social corajosa, até engenhosa, competente e que tem o mérito de produzir efeitos para além dos ciclos de vida políticos. Pela primeira vez, este ano as despesas vão ser superiores às receitas e é neste contexto que esta reforma se assume como inadiável. Mas não há como negar: ou se trabalha mais tempo ou se recebe menos na reforma. E não havia outro caminho - excepto pagar mais impostos. Mas o mesmo Governo que quer ficar com os louros da grande reforma não deve esconder o custo que ela comporta. Este é um assunto delicadíssimo na vida das pessoas. Elas têm o direito de perceber o seu caso pessoal. E isso o Governo não dá. Quando muito, dá exemplos. Desmente pressupostos sem explicar os seus. Liberta informação parcelar, incompleta, insuficiente. E assim dificulta a discussão esclarecida. Mas o assunto é demasiadamente importante para que não coloquemos questões e façamos o nosso trabalho de casa. O que interessa não é o desmentido do secretário de Estado ou o brio profissional deste jornal. É a informação esclarecida a que todos os pensionistas, actuais e futuros, têm direito. As contas do Jornal de Negócios prestam. As contas do Governo, Pedro Marques não presta. Pedro S. Guerreiro
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